quinta-feira, novembro 19, 2009

Crônica Natalina

Os bancos e shoppings da Av. Paulista já têm as luzes brancas em forma de cascata, dignos de cartão postal. As esquinas têm presépios, cores, bandas! Algumas têm um coreto improvisado, com uma programação de coros natalinos.

A melhor parte é ver a cara das crianças, que olham para cada laço como se o espírito da festa estivesse ali, numa espera feroz e incansável pelo dia 25 de dezembro, quando o gorducho gargalhar um "ho ho ho".



Olho para a magia do Natal com olhos poéticos e enfeitiçados... Vejo as pessoas sorrindo com mais freqüência e dizendo frases bonitas. As lojas investem um dinheiro absurdo no marketing da felicidade, inebriando a todos com sua purpurina capitalista.



Meu editor se dá conta de que eu sempre tiro férias em Dezembro. Tento desconversar, mas ele pede para eu escrever uma crônica sobre o Natal com olhos de cachorro pidão.
- Justo o Natal!?
- Carol, você tem 7 anos de Diário de São Paulo... Não quer nem tentar?

É hoje que eu sou demitida!
Well, he's the boss...

- Tá! Vou tentar.
- Pra segunda-feira! Bom fim de semana, doçura.

Puto.
Falar da infância dá o tom de nostalgia perfeito pra textos que pretendem emocionar os outros.

Crônica Natalina
"Quando eu era criança..."
...

Não saio dessa frase. Termino no sábado...

Acontece que saio da cama num pulo às 4 am.
Meu marido se assusta e, quando eu digo que sonhei com uma árvore de Natal, ele diz que é minha Tensão pré-férias. Ri de mim, diz que daqui a pouco é dezembro, diz pra eu dormir e vira pro lado.
Devo estar ficando paranóica com a idéia do texto para o Natal.

Mas o pesadelo era a inspiração necessária para que eu abrisse o notebook na varanda e continuasse minha crônica.
Só percebi que tinha terminado de escrever quando vi que estava chorando.

(Finalmente entendo meu instinto assassino ao pensar "Don't wish me a Merry Christmas!" quando os corais de menininhas rosadas cantam alegremente nas esquinas de Nova York - meu esconderijo nessa época do ano. Nada como estourar seu cartão de crédito para não pensar nos fantasmas, não é?)

Mandei o texto pro Carlos, meu editor, no Domingo de manhã.
Ele não esperou a hora do almoço pra ligar dizendo que eu o convencera!

- Você merece as férias de Dezembro!
Eis a crônica impublicável, que me mandou sem escala pra Big Apple das meninas rosadas:
--
Crônica Natalina
por Carolina Hernandez

Quando era criança, a perua me pegava na escola e deixava na casa da vovó. Mamãe trabalhava até tarde, então jantávamos na mãe dela e só então voltávamos para a nossa. Neste dezembro de não-sei-que-ano, paramos o carro a 30 metros dali, na casa da minha tia, que acenava desesperadamente para a mamãe.

Eu, como uma criança obediente, arregalei os olhos e olhei para o outro lado o mais rápido que pude!
Prestar atenção em conversa de adulto é feio.

O olhar foi parar, ao acaso, no pisca-pisca de uma janela.

Brinquei de encontrar uma lógica na sequência que as luzes acendiam e apagavam.
Talvez eu jamais esqueça. A ordem sempre volta aos meus pesadelos cada vez que eu começo a simpatizar com a idéia da ceia, dos amigos-secretos, dos presentes...

Enquanto olhava para a árvore desenhada pelas luzinhas verdes, azuis e vermelhas, a tia Clara narrava para minha mãe, em tom de jornalista da Rede Record, o fato da semana.

- Sabe o Rodrigo, do Alício? Estava correndo na chácara com as outras crianças... aí (agradeço às forças superiores por terem me concedido a benção do esquecimento. Não suportaria viver com a minúcia dos detalhes dados pela tia Clara.)... e o Alício está agora no IML.

No IML?
IML?

Já era grandinha o suficiente - aos 12 anos - para sentir crueldade e frieza nessas três letras.

Instituto Médico Legal.

Tirei os olhos do pisca-pisca, que apagou.
- O Rodrigo morreu? - sussurrei.

Minha mãe tirou a mão do volante, olhou para mim sem dizer nada e segurou minha mão.

As luzes voltaram a piscar e eu voltei a olhar para elas, sem saber o que pensar.

O Rodrigo morreu.
Meu priminho.

Filho do tio Alício, o destemido. Lendário por ir à roda-gigante e virar 5 vezes de ponta cabeça . O cara, até então, com o sorriso mais caloroso do mundo.

Rodrigo...




Os anos passaram e me ensinaram a vida.
A vida passou e me ensinou a morte.
Minha curiosidade natural me ensinou a fé.

Eis que os anos professores finalmente transformaram-me em 'gente grande'. De criança quieta a adulta observadora, curiosa, apaixonada pela vida que me cerca e pela minha própria.

Menos pela magia do Natal.

Por 20 anos, tenho vivido com uma imagem distorcida da realidade. Não é o Natal! Era essa lembrança...

Ah, se as memórias fossem editáveis. Eu editaria só essa. A mesma...

O mesmo pesadelo:
A árvore de Natal. Rodrigo chega e tira o pisca-pisca da tomada.
Olha sério nos meus olhos, com postura de professor que dá uma ordem, e diz:
- O Natal morreu!
Eu acredito.
Depois disso, uma gargalhada gostosa de criança, que acabou de ver Tom&Jerry, e saimos correndo pra brincar de pega-pega...
Para sempre.
E eu acordo.



-
Desde aquele 14 de Dezembro, minhas 'cartas para o Papai Noel' pararam de ser escritas.
"Papai Noel, devolva o meu Natal!" é deveras complexo para vir dentro de uma caixinha com laço dourado.

"O Rodrigo morreu..." ecoa a voz da tia Clara.
Gosto da felicidade ao meu redor, mas dentro de mim há uma indiferença enorme por árvores de Natal, presentes de Natal, cartões de Natal, comida de Natal!

Tio Alício enterrou seu sorriso brilhante, então fui solidária e enterrei Papai Noel.

Já posso ouvir: "We wish you a Merry Christmas... We wish you a Merry Christmas... We wish you a Merry Christmas... And a Happy New Year."

O que me lembra de uma coisa!
Preciso comprar as passagens para Nova York!

Feliz Natal.
~

Carlos, como eu calculara, preferiu um texto do Paulo Coelho à minha 'crônica natalina'.

Melhor assim.

Confesso que se eu fosse capaz, juntaria-me às meninas rosadas de Nova York pra desejar um Feliz Natal a quem estivesse passando e pudesse nos ouvir...

Mas o máximo que consigo é ficar aqui pensando.
Será que o Rodrigo ainda pode me ouvir?
~

2 comentários:

  1. Dois jovens escritores me agradam nos contos, pela força dos diálogos e originalidade nos assuntos, Monique Buzzato e Pedro Nogueira.
    congrats!

    Paulo

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  2. Bonito.

    MAS PELO AMOR DE DEUS, PARE DE TENTAR DESTRUIR O NATAL, MONIQUE GRINCH BUZATTO!!!!

    huahuahauhauhauhauhauhauha

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