segunda-feira, novembro 09, 2009

Sobre escritores e histórias (conto)

- Alô?
- Precisa de um título!
- O quê?
- Você foi embora sem colocar o título.
- Hernandez??? – olhou pro relógio que marcava 1:15 da manhã.
- Desculpa ligar essa hora, mas isso está me atormentando. Que título terá a nossa história?
- Hummm... Pra ser uma história, precisaria de mais tempo... e de drama! O que é gente teve foi no máximo um conto.
- Um conto à la Nelson Rodrigues ou Vinícius de Moraes?
- Nenhum. Vinícius é pra mulherzinha, Nelson é muito... muito...
- Realista?
- Calculista! Ainda assim, ele é um escritor que a gente saboreia aos poucos. Eu leria o mesmo conto uma semana inteira. Fácil!
- E se eu disser que fiquei a semana inteira com o nosso conto na cabeça?
- Hummmmm... gostou tanto assim do nosso processo criativo?
- Porque não consegui dar um título! E é só por isso que estou ligando! Se você deixar, quero publicar... Prometo que mudo os nomes, mas pensa num título e me conta.

Desliga o telefone.
- Que homem louco!


(30 minutos depois...)
Telefone toca!!!!!!!!!!!!


- Você de novo?
- Estava re-lendo o conto...
- E...?
- Não gostei do desfecho.
- Seu desfecho pra minha história provavelmente é melancólico! Não quero que você estrague tudo como fez com todas as suas...
- Você é um pouco impulsiva demais pra entender a beleza desse-
- dramalhão todo?
- ...desse tipo de literatura! A grande arte-
- ... vem da grande dor. Bla bla bla. Achei que você era um escritor barato, não um grande escritor.
- Hummmm...
- Olha... Eu sei que você insiste nessa história de “eterno enquanto dure” e que nada dura pra sempre, mas isso é muito coisa de velho!
- Não sou um Don Juan nem um príncipe encantado de 28 anos, Elena.
- Pra sua informação, senhor homem sincero, 45 anos não é nem um pouco velho. Tudo bem que o seu eu-lírico tem uns 65, de fato, mas quem conversa com você não diz mais que 35!
- Você é divertida. Mas eu ainda não gostei do seu desfecho.
- Fabio, são quase 2 horas da manhã e você quer discutir um desfecho!
- Então janta comigo daqui 18 horas.
- Conheço suas intenções por trás de um jantar.
- E...?
- É o seu jeito cavalheiro de sugerir outro... “processo criativo”?
- Dessa vez, sem tequila. Você aceitaria?
- Agora eu só quero dormir! Não quer me ligar daqui 9 horas?
- Quantos anos você tem? 18?
- Há há!
- Seu eu-lírico é uma Mae West de uns 39, mas você tem a leveza e a audácia dos 20 e poucos anos.
- Você quase me ganhou com essa.
- Eu não sei a sua idade, é sério!
- Depois que a gente decidir o desfecho, eu vejo se conto...
- A história começa bem... Um belo dia, um belo bar, aniversário de um amigo fotógrafo em comum – já que os dois são jornalistas. Vão parar no apartamento dele depois de umas tequilas. Acordam, conversam meio sem graça, riem, descobrem que têm muito em comum. Depois voltam pra cama e se divertem mais, sem tequila, e é ainda melhor que na noite anterior. Ele, lógico, vira pro lado e dorme mais um pouco – não tem mais a idade nem a energia dela. Ao vê-lo dormir – “tão bonitinho”, como ela diz-, liga o notebook dele, rezando pra que não tenha senha e pra que ele não acorde antes, e escreve um conto ‘de presente’ pra ele. Salva na área de trabalho como “Confissão para o homem sincero” e vai embora. Não deixa rastro nenhum além do cheiro no travesseiro do seu lado. Pra mim, ou ela é medrosa, ou está só usando o cara. Não sei, mas esse final em tom de “foi bom, mas a fila anda..." soa muito Cafa, não combina com você.
- Como você sabe?
- Você assinou o texto como assina a sua coluna. Confesso, procurei por você no Google, os comentários das leitoras são os melhores. Seu estilo é gostoso! Mas geralmente elas ficam alvoroçadas, esperando o próximo post... Esse final ficou muito blasé, eu diria que uma traição com as suas leitoras românticas e apaixonadas.
- Se estivesse no blog, sim, mas não escrevi pra elas, escrevi pra você. É como se a personagem estivesse sonhando e acordasse. Ela sabe que precisa voltar pro mundo real e volta. É uma personagem complexa, mas não quer se envolver demais, nada de muito drama. A minha coluna fala principalmente de sexo e do príncipe encantado, não é nada muito literário, por isso que a mulherada gosta. Resolvi arriscar um estilo diferente, sei que você gosta de finais meio tristes.
- Só nos romances. O começo está ótimo, mas o final chegou antes da gente aproveitar o meio... Entendeu?
- Sim. Não. Ai, não sei. São duas e treze da manhã! Você fala da gente ou do conto?
- O conto não é sobre a gente? É tarde, vou te deixar dormir...
- Obrigada, Boa noite!

Desligou. Que homem irritante.
A conversa tirou seu sono, então foi pra varanda esvaziar a cabeça, enquanto acendia um, dois, três cigarros...

3:02 a.m.

Estava cansada das suas histórias de 5000 caracteres e ele não era nenhum cafajeste, além de inteligente e divertido... Os óculos davam aquele charme que ela gostava, também.

- Hummmm... Por quê não?

Correu pro telefone e ligou de volta pra ele.

- Fabio?
- Oi, Elena.
- Não consegui pensar no título ainda, mas quero mudar o final.
- Achei que você tinha gostado.
- Não quis dizer o final do conto.
- Então quis dizer...
- Que eu vou jantar com você.

Sorriu e desligou o telefone.
~


Capítulo 2

(...)

11 comentários:

  1. Devo ter perdido a "PARTE 1" :)
    Achei meio particular. Legal sim, mas não ótimo como os anteriores.

    Parabéns, tá bom.
    Beijo!

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  2. Seguinte: Um bom título é aquele escolhido depois que a história termina. Se não tinha título, tava na cara que tinha que rolar um jantar no dia seguinte.

    Hmmm... acho que o conto merece um segundo capítulo! rs

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  3. Acho que eu conheço esse escritor, hahahahahahaha

    Foi boa, Nicky!

    E nem se atreva a NÃO escrever o resto dessa história, senhora escritora!
    Assim você acaba com as leitoras aqui :P

    Beijooooo

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  4. Os diálogos, o suspense, o ritmo: um conto MTO legal.
    A gente lê e não quer que acabe, e é isso que define um bom conto.

    F

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  5. Me bateu uma curiosidade, Nicky: - você prefere os contos do Vinícius ou do Nelson?

    Eu não troco os o texto do Nelson por nada desse mundo, especialmente os de "A vida como ela é". Tem no YouTube uns curta incríveis. Entre eles a "Dama da lotação", com o José Wilker narrando.

    http://www.youtube.com/watch?v=9YdRnXcAqxU

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  6. Pedro, vou usar palavras da Elena pra me definir:
    Sou uma mulherzinha calculista.

    Ler Nelson Rodrigues me atormenta! Me tira do sério, me deixa irritada, me faz querer dar uns tapas nele!

    Logo, por mais que eu fique toda boba e sonhadora lendo Vinícius de Moraes, é com o Nelson Rodrigues que eu me delicio!

    (Respondi?)
    Vejo seu link assim que eu chegar em casa hoje, mas se você chegar aqui primeiro, leia isso!
    Aposto (alguma coisa) que você vai gostar: http://www.releituras.com/viniciusm_guitarra.asp

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  7. "O violão é a música em forma de mulher (...) Até na maneiro de ser tocado -- contra o peito -- lembra a mulher que se aninha nos braços de seu amado."

    Que texto lindo do Vinícius, Nicky! Para algúem que toca violão, como eu, é de tirar o fôlego.

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  8. A forma de Escrever de Monique Buzatto se refina e se destila tal qual uma cachaça no alambique de madeira que curte , e fica cada vez mais pura ,sem estrangeirismos inoportunos, com o enredo mais elaborado e mais complexo....

    PArabéns !!!

    VocÊ está no caminho certo!!!

    Vinícius Pacheco

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. Além do elogio inevitável por seu texto, devo perguntar: Fabio teve o prazer de tecer mesmo esse "processo criativo" ou isto é apenas obra do acaso imaginário?

    Xêro juazeirense

    Pê Sousa

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  11. Pê, imagine!

    Sou apenas uma "hernandete" que deixa a imaginação voar com o que esse escritor barato escreve...
    (há no mínimo 6 anos!)

    É pura tietagem, rs.
    Beijos

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