domingo, novembro 01, 2009

A fugitiva (conto)

- Fugi de casa, vó.
A senhora estava de avental na beira do fogão; a água do macarrão começando a borbulhar.
- Senta aqui, filha. – disse seu avô, apontando o lugar ao seu lado no sofá. – Fugiu de casa de novo, é?
- Fugi, vô! Meu pai vendo a corrida, minha mãe gritando na cozinha e meu irmão no computador. Eu preciso de atenção, você sabe.
- Chegou na hora certinha, filha. – Abriu os braços pra receber a neta como de costume, um abraço silencioso.
A primeira vez que Isa fugiu de casa foi aos 5 anos. Quis ver a avó, não teve paciência de esperar o “daqui a pouco, princesa” da mãe e saiu correndo. Falhou. O pai a alcançou, morrendo de rir, no portão do prédio.
A segunda foi mais trágica, aos 6. A mãe foi ao açougue com ela e o irmãozinho de colo. Em vez de entrar na porta à direita, reconheceu o caminho – o viaduto que atravessava de mãos dadas com o avô – e não teve dúvida: saiu correndo, por cima da Bandeirantes, gritando “Manhê, vou pra vó! Vou pra vó!”. A pobre mulher ficou apavorada! Gritou pra 3 adolescentes que passavam: “SEGUREM A MENININHA DE ROSA!”
16 anos depois, continuava fugindo de casa. E pra onde continuava indo?
- Eu queria escrever, vô, mas não tem quintal no meu apartamento.
- A casa é sua, você sabe.
Isa foi pro quintal e sentou no chão com o caderno e a caneta no colo.
Nada.
Nenhuma linha.
Quando ficava triste, escrevia. Estava triste, mas não conseguia pensar que estava triste com aquele sol, os pássaros cantando no alto da árvore e o cheiro do queijo parmesão derretendo em cima do macarrão quase pronto. Casa de vó é pra transformar tristeza em sobremesa e acabar com ela assim que o almoço termina.

E começa o ritual...
Depois do spaghetti obrigatório no domingo – casa de avô italiano –, a sobremesa era a melhor parte. Quando criança, seu herói fazia de tudo pra agradá-la e fazê-la sorrir. O mimo preferido era descascar laranja pra ela. Ela ficava encantada, nem piscava, pra ver o avô tirar a casca numa só tira. A brincadeira continuava a mesma, mas agora era ele quem olhava pra ela e perguntava, com “desafio” piscando nas palavras:
- Terminou de comer, filha?
A avó sempre ria da formalidade dos desafios.
- Terminei, vô. – Cumprindo cada etapa do ritual dominical.
- Quer laranja?
- Grazie, aceito. Pode deixar que eu pego.
Pega duas frutas da fruteira e uma faca afiada da gaveta.
Volta pra mesa graciosamente e fica olhando pro avô por um tempo. Sorri e abaixa os olhos pro seu desafio.
Sob o olhar atencioso dos avós, começa a tirar a casca da laranja. O desafio implícito era ela mesma repetir a façanha que o vovô exibia para a princesinha.
Ela nem piscava, tamanha a concentração para conseguir o prêmio.
Falhou.
O avô, gargalhando, apertou a ponta do nariz de Isa e disse:
- Tem que ter calma, filha.
A avó fez coro e acrescentou:
- Come a laranja e tenta a próxima.
Os dois faziam parte do grupo que achava engraçadinha sua cara de brava – ainda apertava os olhos e fazia bico como quando tinha 5 anos.
Mas não resistiu e também caiu na gargalhada, se preparando pra tentar de novo.
Vai até o lixo, joga fora as cascas da derrota, respira fundo e se concentra no próximo round.
Dessa vez consegue repetir o feito do avô com perfeição, ganhando seu prêmio: dois sorrisos de orgulho e palmas!


- Não quero mais escrever, passou a tristeza.
Sentou-se no braço o sofá, como de costume:
- Mexe no meu cabelo, vô?
O primeiro tempo do jogo do Corinthians só teve o ritual de mimo interrompido por 5 minutos, enquanto os dois berravam “GOOOOOOOOOL.”
Depois de um segundo tempo tenso e um 3x2 de virada só aos 44’, em casa de corintiano não sobrava espaço pra tristeza!
- Tá tarde. Vou pra casa. Bença, vó. Bença, vô.
- Deus te abençoe, filha. Cuidado no caminho.
- Tá bom, vó.
- Ué, fugiu de casa e já vai voltar?
Ficou vermelha.
- Ah, vô...
Ganhou um cafuné que bagunçou seu cabelo.
- Até domingo, filha.
- Ou até eu fugir de novo?
O italiano piscou pra ela antes de levá-la até a porta, rumo à prisão que ela chamava de rotina.

12 comentários:

  1. gostei do texto em clima de avós que é perfect!!!
    Pena q vc não é boa com futebol, como é com palavras(nenhum pecado mortal q eu detesto futebol!!! :P), mas errou no placar...huahuahua...
    e agora vai ter q descascar uma pra mim(laranja antes q pensem besteira!!!! huahuahahu)

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  2. nss.. chorei
    ai num li...
    mass parece tá bom =D
    Parabens, continue assim
    que logo logo voce tera futuro
    em alguma revista ou jornal

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  3. asuashaus.. zuera
    acabei de ler =D
    pq vc usa nome artístico?...
    mas fico bem legal.. curti mesmo
    tem futuro =D

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  4. oi????
    huahauhauhauhauah

    Eu tinha ficado até feliz com o "vc terá futuro numa revista ou jornal"...
    Mas que nome artístico?
    Eu assinei com o meu nome mesmo...

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  5. Também tenho tenho uma prisão chamada rotina!
    talvez seja a mesma.. mas vc fica na ala feminina... a diferença é que eu não cavei um tunel embaixo da cama da minha cela.. não posso fugir pra um avô ou avó... mas não que isso me preocupe! magina... tenho os outros presidiarios pra conversar.. (thank's promoções da vivo) converso por entre as barras...
    leio pela janela da minha cela...
    e me divirto no banho de sol.. ou de lua..
    minha cadeia é especial!
    ;D

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  6. Fiquei até emocionado com o seu conto, Nicky. Eu estou fora do Brasil há nove meses -- e sinto uma saudade absurda do meu vô e vó. Aliás, eles são muito parecidos com os seus, me parece! Hehe. Bjo

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  7. Porra... inacreditável, mas todos os seus contos são você escrita... tudo que você com certeza falaria... as frases em inglês!!! E você continua uma exímia contadora de histórias!!! Treina mais um pouco e você fica como eu, linda!!! Um beijo grande, do seu liebe!!!

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  8. Texto gostoso como a laranja descascada pelo avô...
    A da minha avó tinha uma 'tampinha', se é que alguém pode me entender.

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  9. Mais um blog nos meus favoritos, mais um texto delicioso!
    Adorei o blog, voltarei sempre!

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  10. Nossa,bateu uma saudade dos meus avós... adorei o texto!
    E Marcelly, eu te entendo. Na minha família os mais novos sempre ganhavam a tampinha, rsrsrs. Já que por muito tempo eu era a netinha...

    gostei muito do blog, visitarei sempre!

    Beijos!

    T.

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  11. Ah que saudade que eu tenho
    Da aurora da minha vida
    Da minha infância querida
    Que os tempos não trazem mais

    E fugiu outras vezes também,
    Fugiu dos pais em pleno boqueirão, e toda lindinha disse que foi pegar conchinhas,

    Mas sempre voltou, e sempre voltará, sempre que precisar, sempre que quizer,porque antes das asas, nasceram as raízes.

    Bjos amada.

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